Nos últimos anos, as infeções sexualmente transmissíveis (ISTs) tornaram-se um problema de saúde pública significativo, afetando a qualidade de vida e contribuindo para elevadas taxas de morbilidade a nível mundial. Este aumento alarmante tem sido particularmente evidente em Portugal e na Europa, com uma incidência crescente entre os jovens de 14 a 24 anos.
De acordo com os últimos relatórios do Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC), a notificação de casos de clamídia em Portugal aumentou de 914 em 2021 para 1.501 em 2022. A clamídia, é uma das ISTs mais comuns e representa um impacto direto na saúde reprodutiva.
Embora a clamídia seja particularmente prevalente entre as mulheres, o número de casos entre homens que fazem sexo com outros homens (HSH) também está a crescer de forma preocupante, com um aumento de cerca de 72%.
Este aumento, além de representar um risco acrescido para a saúde individual, tem também implicações económicas, refletindo uma necessidade urgente de medidas de prevenção e consciencialização.
O que é a Clamídia?
A clamídia é uma infeção sexualmente transmissível (IST) causada pela Chlamydia trachomatis, uma bactéria Gram-negativo, pertencente à família Chlamydiaceae.
Esta é a IST bacteriana mais comum no mundo, sendo uma das maiores responsáveis pela morbilidade global e pelos custos económicos associados. Além disso, apresenta uma elevada capacidade de transmissão e pode infetar várias partes do corpo além do trato genital, incluindo cavidade oral, reto e olhos.
É frequentemente apelidada como “infeção silenciosa”, dado que cerca de 70 a 80% dos casos podem não apresentar sintomas, o que pode dificultar o diagnóstico precoce e consequentemente contribuir para a disseminação da infeção.
Quando não tratada, a infeção pode levar a complicações graves principalmente no sistema reprodutor, especialmente em mulheres jovens. Além disso, uma variante mais invasiva da infeção, conhecida como Linfogranuloma venéreo, está a tornar-se cada vez mais prevalente entre HSH.
Como se transmite?
A transmissão ocorre principalmente através do contacto sexual desprotegido com uma pessoa infetada, podendo infetar as mucosas do trato genital, retal ou orofaríngeo.
Além da transmissão sexual, existe um risco significativo de transmissão vertical, ou seja, da mãe para filho, durante o parto. Quando uma mulher grávida está infetada, a bactéria pode ser transmitida ao recém-nascido quando este passa pelo canal de parto. Esta forma de transmissão pode resultar em várias complicações para o bebé, nomeadamente em conjuntivite e/ou pneumonia neonatal.
Fatores de risco e grupos mais afetados
A probabilidade de contrair clamídia é influenciada por diversos fatores de risco, entre eles:
- Prática de sexo desprotegido: não usar ou usar incorretamente preservativo. Esta continua a ser a principal via de transmissão da Chlamydia trachomatis;
- Múltiplos parceiros sexuais: aumenta significativamente o risco, pois eleva a probabilidade de contacto com uma pessoa infetada. Além disso, indivíduos que já foram diagnosticados com outras ISTs, como a gonorreia, apresentam um risco aumentado de coinfeção, uma vez que a presença de uma IST pode facilitar a aquisição de outras devido a alterações na mucosa genital;
- Idade: o grupo mais vulnerável corresponde à faixa etária dos 14-24 anos, pois sendo jovens sexualmente ativos, tendencialmente apresentam mais comportamentos de risco e consequentemente maior probabilidade de infeção. As jovens mulheres são particularmente afetadas, devido à vulnerabilidade da mucosa cervical durante os anos reprodutivos iniciais, que pode facilitar a entrada e a colonização pela bactéria Chlamydia trachomatis;
- HSH: o aumento significativo da prevalência pode ser atribuído a uma combinação de fatores, tais como a prática de sexo desprotegido e maior probabilidade de infeção assintomática que permanece não diagnosticada e, portanto, não tratada, perpetuando a transmissão.
Quais os sintomas?
Embora a infeção por Chlamydia trachomatis seja frequentemente assintomática, as manifestações clínicas surgem, habitualmente, uma a três semanas após o contacto sexual desprotegido.
Nas mulheres, os sintomas mais comuns incluem:
- Disúria (dor ou ardor ao urinar): decorrente da uretrite (inflamação da uretra causada pela colonização bacteriana);
- Corrimento vaginal anormal: leucorreia mucopurulenta, caracterizada por um corrimento mais espesso e amarelado;
- Dor pélvica ou abdominal inferior: indicador de progressão da infeção para o trato reprodutivo superior, podendo resultar em salpingite ou doença inflamatória pélvica (DIP);
- Sangramento intermenstrual (spotting) ou pós-coital: pode ser um sinal de cervicite, que ocorre devido à fragilidade do epitélio cervical inflamado;
- Dispareunia (dor durante as relações sexuais): devido à inflamação do trato genital;
- Dor ou corrimento retal: em casos de infeção retal, a inflamação pode resultar em proctite, caracterizada por dor, tenesmo e secreção purulenta.
Em grávidas, a clamídia não tratada pode levar a partos prematuros, baixo peso ao nascer e infeções graves, como conjuntivite e pneumonia neonatal.
Nos homens, os sintomas mais comuns podem incluir:
- Disúria: é uma manifestação comum e está frequentemente acompanhada de desconforto miccional;
- Secreção uretral purulenta: marcador clínico de uretrite;
- Prurido ou irritação uretral: pode resultar da inflamação da mucosa uretral;
- Dor e edema do epidídimo (epididimite): embora menos comum, pode ocorrer quando há ascensão da infeção.
Além das manifestações genitais, a infeção por Chlamydia trachomatis pode afetar outras regiões do organismo:
- Faringite: advém da transmissão orogenital. É frequentemente assintomática, contudo clinicamente pode traduzir-se em eritema e dor da orofaringe.
- Conjuntivite: ocorre por exposição direta aos fluidos corporais infetados. Caracteriza-se por olho vermelho, com secreções e lacrimejo.
A elevada taxa de infeções assintomáticas, associada às diferenças na apresentação clínica entre os sexos é um dos principais fatores que contribuem para a subnotificação e consequente transmissão da infeção. Desta forma, torna-se premente a realização de testes de rastreio periódicos que permitam a identificação dos indivíduos infetados com Chlamydia trachomatis.
Como se faz o diagnóstico?
O diagnóstico é realizado com recurso à análise de amostras biológicas das áreas potencialmente infetadas. Podem ser utilizadas dois tipos de amostras, consoante a clínica do indivíduo:
- Urina: primeira da manhã;
- Zaragatoas de amostras urogenitais (vaginais, cervicais e uretrais) ou extragenitais (orofaríngea e retal).
O teste de amplificação de ácidos nucleicos (NAAT) é o método de eleição para o diagnóstico, devido à sua elevada sensibilidade e especificidade na deteção de ácido desoxirribonucleico (ADN) da Chlamydia trachomatis.
Em alguns casos, especialmente quando é confirmada a infeção por clamídia, é aconselhável realizar testes adicionais para outras ISTs, como gonorreia e Vírus da Imunodeficiência Humana (VIH), devido à elevada possibilidade de coinfeções.
É uma infeção tratável?
Sim, podem ser utilizados diferentes antibióticos para o tratamento da clamídia. A escolha do antibiótico varia consoante a localização da infeção, gravidade e adesão à terapêutica. Para o tratamento de clamídia, os antibióticos mais utilizados são:
- Doxiciclina: tratamento preferencial, especialmente eficaz em infeções urogenitais e retais.
- Azitromicina: frequentemente utilizada como alternativa à doxiciclina, particularmente quando a adesão a um regime de múltiplas doses é uma preocupação.
Considerações especiais:
- Grávidas: a azitromicina é o antibiótico de eleição dado o seu perfil de segurança. A doxiciclina está contraindicada, especialmente no 2º e 3º trimestres devido ao risco de efeitos adversos para o feto.
- Tratamento de parceiros sexuais: é fundamental para prevenir a reinfeção e a disseminação. Todos os contactos sexuais dos últimos 60 dias devem ser avaliados, testados e tratados, mesmo que não apresentem sintomas.
A abstinência sexual é recomendada durante o tratamento e até 7 dias após a conclusão do regime terapêutico.
Além disso, é aconselhado realizar um teste de rastreio três meses após o término da antibioterapia, de forma a confirmar a ausência de reinfeção, especialmente nas populações de alto risco.
Prevenção
O uso consistente e correto de preservativo durante o contacto sexual — tanto vaginal, como anal ou oral — é a medida mais eficaz para reduzir o risco de transmissão.
Em indivíduos com múltiplos/ novos parceiros é recomendada a realização de testes de rastreio para as ISTs, de forma a detetar e tratar precocemente a infeção, assim como prevenir complicações e controlar a sua disseminação.
No que diz respeito às grávidas, o rastreio é a forma mais eficaz de prevenir a transmissão ao bebé.
Com o aumento dos casos em Portugal, é importante estar atento aos sinais e sintomas, realizar exames regulares e adotar práticas sexuais seguras. A deteção e o tratamento precoce são as melhores formas de proteger a sua saúde e a dos seus parceiros.
Em caso de dúvida, é aconselhável contactar um médico para obter orientação e cuidados apropriados. Se precisar de realizar um teste para deteção de ISTs, os laboratórios do Grupo Aqualab estão à sua disposição.
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