As infeções do grupo TORCH são um grupo de infeções congénitas agrupadas devido à sua apresentação semelhante. Durante a gravidez existe a possibilidade da mãe e do feto serem afetados por estas doenças infeciosas.
O acrónimo T.O.R.C.H. foi usado pela primeira vez em 1971 e surgiu da fusão de Toxoplasmose, outras doenças (ex. Sífilis, VIH), Rubéola, Citomegalovírus e Herpes. Quando falamos de infeções do grupo TORCH referimo-nos a uma série de infeções que podem afetar o decurso da gravidez e provocar malformações fetais, caso a mãe as contraia pela primeira vez durante a gravidez.
As infeções do grupo TORCH, representam 2 a 3% de todas as anomalias congénitas. O risco para o feto varia consoante o agente responsável pela infeção e a semana de gestação em que esta ocorre, diminuindo geralmente com o progredir da gravidez. O diagnóstico baseia-se sobretudo em testes laboratoriais
Segundo as Normas da Direção Geral de Saúde, na vigilância da gravidez de baixo risco devem ser realizados, ou estar documentados, os seguintes exames laboratoriais:
- Tipagem ABO e fator Rh;
- Pesquisa de aglutininas irregulares;
- Hemograma completo;
- Rastreio da diabetes gestacional;
- Rastreio da sífilis;
- Rastreio da rubéola;
- Rastreio da toxoplasmose;
- Rastreio da infeção pelo vírus da imunodeficiência humana (VIH);
- Rastreio da hepatite B;
- Rastreio da bacteriúria assintomática;
- Rastreio do Streptococcus β hemolítico do grupo B;
- Rastreio do cancro do colo do útero.
A educação para os fatores de risco e o rastreio e diagnóstico precoce realizados durante a gravidez são essenciais para prevenir ou tratar várias infeções, incluindo as infeções do grupo TORCH.
Objetivos do rastreio serológico na gravidez (ou na consulta pré-concecional)
A estratégia a adotar para prevenir as infeções que podem ser transmitidas ao feto ou ao recém-nascido variam consoante o microrganismo e as suas vias de transmissão. Os testes de rastreio serológico são realizados para:
a) Identificar mulheres suscetíveis de adquirir uma infeção primária. Desta forma é possível adotar medidas higiénico-sanitárias de maneira a evitar a infeção durante a gravidez. No final da gravidez, deverá ser realizada a imunização, se existir vacina disponível. A vacinação também poderá ocorrer após uma consulta pré-concecional, que é uma excelente oportunidade para conhecer o seu estado vacinal e preparar melhor a gravidez para minimizar eventuais riscos.
b) Identificar mulheres com a infeção. Neste caso, são adotadas medidas que visam prevenir a transmissão ou estabelecer um tratamento específico que elimine ou reduza o risco de transmissão ou a gravidade das sequelas para o recém-nascido.
Nas situações em que não foi possível realizar o rastreio serológico antes ou durante a gravidez, existe ainda a possibilidade de diminuir o risco de transmissão de certas infeções durante o trabalho de parto. Para fins práticos, as infeções a pesquisar nesta fase, para que seja possível adotar ações preventivas adequadas, são a sífilis, a hepatite B (HBV) e o vírus da imunodeficiência humana (HIV), 3 infeções do Grupo TORCH.
Infeções do Grupo TORCH na Gravidez
Sífilis
A sífilis é uma infeção transmitida sexualmente, causada por Treponema pallidum, uma espécie de bactérias, que pode atingir a grávida e o feto em qualquer altura da gestação. No adulto, não tratada, evolui de sífilis primária para secundária e terciária. A infeção não produz imunidade pelo que uma grávida pode contrair esta infeção do grupo TORCH mais do que uma vez.
A gravidade da infeção fetal depende de vários fatores. É mais grave e mais frequente nos dois primeiros anos após o início da infeção materna. Até à 15ª semana de gestação o risco do Treponema pallidum atingir o feto, é mínima. Geralmente, só́ a partir das 20 semanas é que a infeção materna tem consequências para o feto, uma vez que só́ a partir desta altura se torna imunologicamente competente para desencadear uma ação inflamatória, daí a grande eficácia da terapêutica com penicilina antes dessa idade gestacional.
O rastreio deve ser efetuado, no primeiro e terceiro trimestres de gravidez, utilizando para esse fim o VDRL (Venereal Disease Research Laboratory). Se o VDRL for positivo, a confirmação do diagnóstico deve ser realizada com um teste treponémico TPHA (Treponema pallidum haemaglutination assay) ou FTA-abs (fluorescent treponemal antibody absorption).
Toxoplasmose
A toxoplasmose é uma doença resultante da infeção pelo parasita Toxoplasma gondi. Os indivíduos são infetados pela ingestão de carne contaminada mal cozinhada, através de alimentos mal lavados, do consumo de água infetada e após o contacto com terra ou com fezes de gatos com oocistos, ou da transmissão de mãe para filho durante a gravidez.
A maioria das pessoas saudáveis com toxoplasmose não apresenta sintomas porque o seu sistema imunitário é eficaz em prevenir a doença, ainda assim, alguns casos podem apresentar sintomas semelhantes aos da gripe, como dores no corpo, dor de cabeça, febre e fadiga. No entanto, o feto e pessoas com sistema imunológico debilitado podem apresentar doença grave.
O maior risco de toxoplasmose congénita dá-se quando uma mulher grávida é infetada pelo parasita pela primeira vez, já que este pode atravessar a placenta e infetar o feto antes da produção de anticorpos pelo sistema imunitário da mãe.
Estima-se que o risco de transmissão para o bebé seja de 50%, no útero de grávidas infetadas e sem tratamento, o que se traduz numa taxa de transmissão da infeção de cerca de 7%, correspondendo a cerca de 11 infetados por cada 10.000 recém-nascidos em Portugal.
O parasita provoca uma doença congénita (malformações) com consequências variáveis para o feto, dependendo da fase da gestação em que ocorre a infeção.
A probabilidade de transmissão mãe-feto é baixa no primeiro trimestre, entre 10 e 25%, aumenta no segundo trimestre, com um risco de transmissão entre 30 e 35%, e o risco torna-se máximo no último trimestre, entre 60 a 80%. Além disso, a gravidade da infeção também é maior quanto mais precocemente ocorrer na gravidez, podendo levar ao aborto espontâneo.
Deve ser realizada serologia para a toxoplasmose (IgG e IgM) no 1º trimestre de gravidez em todas as mulheres sem imunidade documentada e, caso se encontrem não imunes, deve ser repetido no 2º e 3º trimestre de gravidez.
Rubéola
A rubéola é causada por um vírus transmitido de pessoa para pessoa através do contacto com secreções nasofaríngeas, da dispersão de gotículas de pessoas infetadas, e pelo contacto direto com um infetado. Também pode ser transmitida de mulheres grávidas para o feto através da corrente sanguínea.
Trata-se de uma infeção viral aguda e autolimitada. A rubéola afeta mais frequentemente crianças e geralmente causa doença leve com poucos sintomas. A doença no adulto é inespecífica pelo que, muitas vezes, a grávida nem sabe que esteve doente.
A consequência mais grave da infeção por rubéola é o risco de defeitos congénitos. A infeção materna no início da gravidez raramente atinge o feto, mas, se este for infetado, os efeitos podem ser muito graves, podendo levar a desenvolver: cardiopatia congénita, lesões oculares, auditivas e neurológicas.
Atraso de crescimento intrauterino, lesões ósseas, hepato-esplenomegália, trombocitopenia e rash cutâneo podem fazer suspeitar da doença num recém-nascido de mãe não imunizada, obrigando a investigação laboratorial.
O maior risco de infeção ocorre em países onde as mulheres em idade reprodutiva não têm imunidade à doença (seja por falta de vacinação ou por não terem contraído o vírus). A prevenção é a principal estratégia contra a rubéola uma vez que existe uma vacina muito eficaz que produz uma taxa de seroconversão de cerca de 95% e que faz parte do Plano Nacional de Vacinação, pelo que as taxas de imunização da população portuguesa são elevadas.
Em mulheres sem imunidade documentada, deve ser realizada serologia para a rubéola (IgG e IgM) no 1º trimestre. Se o resultado for o de ausência de imunidade, então deve repetir-se a serologia para a rubéola antes da realização da ecografia morfológica do 2º trimestre. Todas as puérperas não imunizadas deverão ser vacinadas, no pós-parto.
Vírus da imunodeficiência humana (VIH)
A transmissão do VIH de mãe para o feto pode ocorrer por via intrauterina, durante o parto ou através do leite materno. O fator que mais influência a transmissão da infeção é a carga vírica materna. A taxa de transmissão global sem terapêutica antirretroviral é de 20 a 30%, mas atinge os 60% em grávidas com cargas virais elevadas.
A terapêutica adequada do VIH reduz a quantidade de vírus circulante (carga viral) para níveis muito baixos, que se podem traduzir em cargas virais indetetáveis. Nas mulheres infetadas, a manutenção de cargas virais indetetáveis durante o decurso da gravidez é a principal medida de prevenção de transmissão fetal.
Todas as grávidas devem realizar rastreio da infeção pelo VIH, no 1º e 3º trimestre de gravidez. Às grávidas sem serologia documentada na altura do parto, deve ser realizado teste rápido ante ou intraparto.
Hepatite B
A infeção pelo vírus da hepatite B (HBV) na mulher grávida representa um sério risco. No entanto, desde o rastreio universal da grávida e da vacinação universal do recém-nascido, os potenciais problemas causados pelo VHB foram drasticamente reduzidos.
Sem a imunoprofilaxia pós-exposição, aproximadamente 40% das crianças nascidas de mães infetadas pelo VHB desenvolvem infeção crónica pelo VHB. A transmissão perinatal do VHB pode ser evitada identificando mulheres grávidas infetadas com VHB (ou seja, com antígeno de superfície da hepatite B [Hbs Ag] positivo) e com a administração de imunoglobulina e da vacina contra a hepatite B ao recém-nascido.
Deve ser realizado o rastreio da hepatite B no 1º trimestre de gravidez, incluindo as grávidas com histórico de vacinação prévia documentada, utilizando a pesquisa de AgHBs. Apenas as grávidas não vacinadas e cujo rastreio foi negativo no 1º trimestre, devem repetir a pesquisa do AgHBs no 3º trimestre.
Vírus Herpes Simplex
O herpes genital é causado principalmente pelo vírus do herpes simplex tipo 2 (VHS2) e, com menos frequência pelo herpes simplex tipo 1 (VHS1). As infeções genitais produzidas por um ou outro vírus são clinicamente indistinguíveis. A complicação mais importante da infeção genital produzida pelo VHS é o herpes neonatal, que se associa a uma grande morbidade e mortalidade que só a introdução de antivíricos conseguiu melhorar.
O risco de infeção no recém-nascido depende do tipo de infeção materna (primária ou reativação), da presença ou ausência de cuidados específicos na mãe, da duração da rotura das membranas e do tipo de parto.
Do ponto de vista clínico, as consequências mais graves para o recém-nascido são produzidas pela transmissão in útero durante uma infeção primária materna. A infeção congénita é rara, mas é acompanhada de um prognóstico muito grave, como microcefalia e microftalmia com mortalidade muito elevada e sequelas graves nos sobreviventes.
A infeção perinatal é a mais comum, representando 90% dos casos. A infeção primária materna pode ser assintomática pelo que a criança poderá́ nascer por via vaginal numa altura em que eventualmente a mãe ainda não dispõe de anticorpos IgG que passem a placenta e protejam o recém-nascido. O prognóstico é também bastante grave se a infeção não for tratada.
Citomegalovírus
O Citomegalovírus (CMV) é a causa mais frequente de infeção congénita de origem viral. A infeção no feto é consequência da virémia da gestante. O maior risco de transmissão ocorre na infeção primária (40-50%), onde existe passagem do vírus para o feto o que, associado ao facto de não haver IgG maternas, aumenta a possibilidade do recém-nascido vir a desenvolver doença grave. Já nas reativações (0,3-0,5%), onde a presença de IgG maternas protegem o feto, a infeção é menos grave.
A infeção pode ocorrer in útero dando origem a uma infeção congénita, ou na passagem pelo canal de parto infetado, dando então origem a uma infeção perinatal sendo esta última a mais frequente. Pode ocorrer ainda após o nascimento por ingestão de leite materno infetado.
É importante distinguir entre risco de transmissão e manifestações clínicas no recém-nascido, que nem sempre são paralelas. A frequência da infeção fetal é independente da idade gestacional, contrariamente ao que acontece com as outras infeções congénitas. Os casos graves de infeção são quase exclusivamente limitados à infeção primária materna adquirida durante a primeira metade da gravidez em que a doença se pode manifestar como uma “sepsis vírica” com elevada mortalidade.
No entanto, a maioria dos recém-nascidos infetados é assintomática e os sintomas podem desenvolver-se ao longo do tempo. De todos os vírus que podem afetar o feto, o CMV é o que mais frequentemente provoca atraso do desenvolvimento e constitui a primeira causa de surdez neurossensorial na criança. Esta surdez pode não ser imediatamente detetada no rastreio audiológico universal por ser evolutiva. Existe também um risco aumentado de problemas de visão.
A grande controvérsia quando se fala de rastreio de CMV durante a gravidez são as questões sobre a utilidade do rastreio universal, uma vez que não existe vacina eficaz para imunizar mulheres seronegativas. O CMV é endémico na população, com alta prevalência e múltiplos mecanismos de transmissão, não possibilitando a prevenção da infeção no recém-nascido, uma vez que não existe a possibilidade de administrar tratamentos antivirais pela sua toxicidade para o embrião.
Por estes fatores, a prevenção da infeção por CMV durante a gravidez limita-se à adoção de medidas higiénico-sanitárias gerais.
Por que é que não se realiza o rastreio serológico a todas as infeções do grupo TORCH durante a gravidez?
A prevenção das infeções congénitas e perinatais através de rastreios serológicos em gestantes deve ser realizada de acordo com a situação epidemiológica de cada país e a evidência científica existente sobre as infeções, e as medidas de tratamento e prevenção disponíveis para cada caso. Com o conhecimento atual, o rastreio serológico para rubéola, sífilis, toxoplasmose, hepatite B e VIH é inquestionável, e amplamente reconhecido por grupos de especialistas de sociedades científicas de relevo.
Por outro lado, para o rastreio em mulheres grávidas de hepatite C, herpes simplex, varicela-zoster, citomegalovírus e parvovírus B19 não é recomendada uma estratégia sistemática e geral.
Podem existir, no entanto, circunstâncias clínicas ou epidemiológicas específicas em que haja indicação para pesquisa de anticorpos contra alguns destes microrganismos em determinadas gestantes pelo que deve sempre aconselhar-se e seguir as recomendações do seu médico assistente.
Qual a importância do rastreio serológico e microbiológico em infeções na gravidez?
O rastreio serológico e microbiológico durante a gravidez desempenha um papel fundamental na deteção precoce de doenças infeciosas que podem afetar tanto a mãe quanto o feto, permitindo um acompanhamento adequado e a implementação de medidas preventivas e de tratamento adequadas.
Nos Laboratórios do Grupo Aqualab pode realizar todos os seus exames laboratoriais de vigilância da gravidez e contar com uma equipa especializada sempre pronta para a ajudar.
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