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O que necessita saber sobre a Hepatite C

21 Dezembro 2020

1. O que é a Hepatite C?

É uma inflamação do fígado provocada por um vírus (vírus da Hepatite C ou HCV), que, quando crónica, pode conduzir à cirrose, insuficiência hepática e cancro.

É conhecida como a epidemia «silenciosa» pela forma como tem aumentado o número de indivíduos com infecção crónica em todo o mundo e pelo facto de os infectados poderem não apresentar qualquer sintoma, durante dez ou 20 anos, e sentir-se de perfeita saúde.

Calcula-se que existam 170 milhões de portadores crónicos (cerca de três por cento da população mundial), dos quais nove milhões são europeus, o que faz com que o VHC seja um vírus muito mais comum que o VIH, responsável pela SIDA. Segundo a Organização Mundial de Saúde, é possível que surjam todos os anos três a quatro milhões de novos casos no planeta.

A prevalência do vírus difere de acordo com a região geográfica; enquanto na Europa e na América do Norte os índices de contaminação rondam os 2%, em África, no Sudeste Asiático, no Pacífico Ocidental e no Leste do Mediterrâneo as taxas de prevalência são superiores.

No mundo ocidental, os toxicodependentes de drogas injectáveis e inaláveis e as pessoas que foram sujeitas a transfusões de sangue e derivados e/ou a cirurgias antes de 1992, são os principais atingidos. Com a descoberta do VIH na década de 80 do século passado, foram adoptadas novas medidas de prevenção e, hoje, a possibilidade de contágio com o VHC, numa transfusão de sangue ou durante uma intervenção cirúrgica nos hospitais, é praticamente nula. Esta segurança não está ainda garantida em alguns centros médicos e hospitalares dos países em desenvolvimento.

Em Portugal, a hepatite C crónica é já uma das principais causas de cirrose e de carcinoma hepatocelular, estimando-se que existam 150 mil infectados embora a grande maioria não esteja diagnosticada. De acordo com um estudo do Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência, Portugal é um dos países europeus a apresentar as mais elevadas taxas de contaminação deste vírus, que atinge 60 a 80% dos toxicodependentes. 

Cerca de 20 a 30% dos indivíduos infectados com o VHC recuperam espontaneamente após a infecção aguda pelo VHC, mas os restantes 70 a 80% evoluem para a hepatite crónica e, muitas vezes, sem que se apercebam. Em 20% dos doentes, a hepatite C crónica pode conduzir à cirrose e/ou ao cancro no fígado. Alguns doentes podem desenvolver uma cirrose em poucos anos, enquanto outros podem levar décadas.

Entre as possíveis explicações está a idade em que a pessoa foi contaminada (quanto mais tarde, mais grave pode ser a evolução da infecção), as diferenças hormonais (é mais comum no sexo masculino) e o consumo de álcool (que estimula a multiplicação do vírus e diminui as defesas imunitárias). Este tipo de hepatite só excepcionalmente se apresenta como hepatite fulminante.

2. Qual é a causa da Hepatite C?

A hepatite C é causada por um vírus, mais propriamente pelo vírus da Hepatite C ou HCV. Este vírus foi identificado apenas em 1989 e corresponde a cerca de 90% das então chamadas hepatites não-A e não-B.

O período de incubação é em média de seis a sete semanas. (duas a 26 semanas). Cerca de 85% dos indivíduos que adquiriram a infecção pelo HCV tornam-se infectados cronicamente. Destes, cerca de 70% desenvolvem hepatite crónica. Cerca de 20% a 25% das hepatites crónicas causadas pelo HCV evoluem para cirrose hepática, e dentro os cirróticos cerca de 1-5% desenvolvem cancro primário do fígado. A mortalidade da hepatite crónica pelo HCV é estimada entre 1% e 5%.

São importantes factores no agravamento e aceleração das lesões nas hepatites crónicas:

  • O uso de bebidas alcoólicas;
  • Co-infecção com outros vírus (HIV, HAV, HBV);
  • Hepatopatias prévias ou concomitantes.

3. Como posso contrair a Hepatite C?

A hepatite C é transmitida primariamente através do contacto com o sangue de uma pessoa infectada, e com muito menor eficácia através de secreções orgânicas. O vírus tem sido detectado também na saliva, urina, sémen, bílis, porém com baixo potencial de risco de transmissão.

Portanto, o contágio do HCV dá-se fundamentalmente através de sangue contaminado.

Constituem situações de risco, com diferentes potenciais de contágio:

  • Partilha de seringas e outros instrumentos usados na preparação e consumo de drogas injectáveis e inaláveis; 
  • Exposição a sangue por material cortante ou perfurante de uso colectivo não devidamente esterilizado ou descartável (utilizado em procedimentos como body piercing, tatuagens, acupunctura, manicure/pedicure, barbeiros e cabeleireiros, etc.); 
  • Contacto social ou familiar com objectos de uso pessoal (escovas de dentes, lâminas de barbear, giletes, depiladores, tesouras, etc.);
  • Exposição ocupacional a sangue pelos profissionais da área da saúde (agulhas, acidentes percutâneos); 
  • Não usar preservativos nas relações sexuais quando existem múltiplos parceiros; porém, como a transmissão por via sexual é pouco frequente, o uso nas relações entre cônjuges habitualmente não se justifica;
  • Recém-nascidos de mães HCV positivas; 
  • Hemodiálise.

Na ausência de uma vacina contra a hepatite C, o melhor é optar pela prevenção, evitando, acima de tudo, o contacto com sangue contaminado.

4. Quais são os sintomas da Hepatite C?

Na grande maioria das vezes, a doença é assintomática, o que dificulta ainda mais o seu controlo e facilita a disseminação na comunidade. O diagnóstico é, em geral, acidental, sendo feito durante a triagem serológica em doações de sangue, ou para avaliação da possível causa de transaminases alteradas, evidenciadas em exames de rotina.

Apenas 25 a 30% dos infectados apresentam, na fase aguda, sintomas de doença que podem manifestar-se por queixas inespecíficas como letargia, mal-estar geral, febre, problemas de concentração; queixas gastrointestinais como perda de apetite, naúsea, intolerância ao álcool, dores na zona do fígado ou o sintoma mais específico que é a icterícia. Muitas vezes, os sintomas não são claros, podendo-se assemelhar aos de uma gripe.

O portador crónico do vírus pode mesmo não ter qualquer sintoma, sentir-se saudável e, no entanto, estar a desenvolver uma cirrose ou um cancro hepático.

5. Quais os testes para o diagnóstico da Hepatite C?

O vírus da hepatite C infecta e danifica o fígado. Em resposta à exposição ao vírus, o nosso organismo produz anticorpos contra proteínas do HCV. O teste mais comum para o HCV pesquisa estes anticorpos no nosso sangue. Outros testes existentes detectam a presença do RNA viral, a quantidade de RNA presente, ou determinam o subtipo específico do vírus.

Cada um dos testes tem um propósito ligeiramente diferente:

  • Testes Anti-HCV detectam a presença de anticorpos contra proteínas do vírus, indicando exposição ao HCV. Estes testes não discriminam se o indivíduo testado ainda tem uma infecção viral activa aguda ou crónica ou se se trata de uma cicatriz serológica, apenas que esteve exposto ao vírus no passado.

    Geralmente, o teste é reportado como positivo ou negativo. Há alguma evidência que se o teste fôr fracamente positivo, pode não significar exposição prévia ao vírus HCV. Os resultados fracamente positivos devem ser confirmados com o teste seguinte.
  • Teste HCV RIBA (imunoblotting) é um teste adicional para confirmar a presença de anticorpos contra o vírus. Na maioria dos casos, ele pode dizer-nos se o o teste anti-HCV positivo foi devido a uma exposição ao HCV (RIBA positivo) ou representa um falso sinal (RIBA negativo). Em alguns poucos casos, os resultados não respondem a essa questão (RIBA indeterminado).

    Tal como o teste anti-HCV, o RIBA não nos pode informar se o indivíduo está actualmente infectado, apenas que houve uma exposição ao vírus.
  • Teste HCV-RNA é feito por técnica de reacção em cadeia da polimerase (PCR) e detecta o RNA do vírus da Hepatite C, indicando se há uma infecção activa pelo HCV. O resultado do HCV-RNA é dado como positivo se é detectado algum RNA viral; caso contrário, o resultado será negativo.

    Além da sua aplicação como teste confirmatório, o HCV-RNA Qualitativo pode também ser usado no controlo da resposta ao tratamento para verificar se o vírus foi eliminado do corpo após o tratamento.
  • Carga Viral ou Testes HCV-RNA Quantitativos medem a quantidade de partículas de RNA viral existentes no sangue. Os testes de carga viral são frequentemente usados antes e durante o tratamento para ajudar a determinar a resposta à terapêutica por comparação entre a quantidade de vírus antes e após o tratamento (geralmente 3 meses).
  • Genotipagem Viral é usada para determinar o tipo, ou genótipo, do vírus presente. Há 6 tipos principais de HCV; o mais comum (genótipo 1) responde pior ao tratamento que os genótipos 2 e 3 e geralmente requer terapêuticas mais longas (12 meses versus 6 meses para os genótipos 2 e 3).

    A determinação do genótipo do HCV é útil. Portanto, na definição da estratégia de tratamento, sendo solicitada antes de se iniciar o tratamento para dar uma ideia do sucesso e da duração necessária deste.

6. Que significa o resultado do teste?

Se o resultado do teste Anti-HCV é positivo, significa que provavelmente foi infectado com o vírus da Hepatite C, mesmo que a infecção tenha sido tão ténue que não se tenha sequer apercebido dela.

Um teste anti-HCV positivo deve ser confirmado por um teste HCV RIBA, especialmente se o resultado é fracamente positivo. Um RIBA positivo confirma que esteve exposto ao vírus, enquanto um RIBA negativo indica que o seu primeiro teste era provavelmente um falso positivo e que nunca esteve infectado pelo HCV.

Um teste HCV-RNA Qualitativo é frequentemente usado quando o teste de anticorpos é positivo para verificar se a infecção ainda está presente. Um resultado positivo no HCV-RNA significa que está actualmente infectado pelo HCV.

Actualmente, entretanto, os testes de RIBA têm tido indicações cada vez mais restritas na práctica clínica, uma vez que perante um resultado de anti-HCV positivo, por teste imunoenzimático, o procedimento mais favorável do ponto de vista custo-eficácia parece ser a realização da pesquisa do HCV-RNA Qualitativo, que não só confirma a positividade do anticorpo, como também estabelece a presença de virémia actual.

7. Posso ser vacinado contra o HCV?

Não. Actualmente, não existe vacina disponível.

O desenvolvimento de uma vacina tem sido difícil porque o vírus apresenta várias configurações moleculares diferentes, que estão constantemente a alterar-se. Além disso, os anticorpos suscitados pela infecção pelo HCV não são neutralizantes, ou seja, não impedem nova infecção nem significam imunidade. A dificuldade para o desenvolvimento da vacina contra o vírus decorre sobretudo deste comportamento do sistema imunológico frente à infecção pelo HCV.

8. Há tratamento para a Hepatite C?

Sim, há actualmente algumas terapêuticas que podem ser utilizadas no tratamento da infecção pelo HCV. As mais usadas são uma combinação de duas drogas (interferão peguilado associado à ribavirina).

Entretanto, a eficácia do tratamento depende de vários factores como a sua idade, do genótipo do vírus e da carga viral de HCV que apresenta e do grau de danos que ocorreram no seu fígado, podendo as probabilidades de cura variar de muito baixas a tão elevadas como 80%.